quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

POR QUEM OS SINOS DOBRAM

Por Quem os Sinos Dobram

For Whom the Bells Tolls

¨Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si-mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, como se fosse o solar dos teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.¨
                                                                                                               John Donne



terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A GENTE SE ACOSTUMA

Mas Não Devia 



Eu Sei, Mas Não Devia

Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si-mesma.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

AS CRIANÇAS DA FOME

As Crianças da Fome

¨...Desliga o televisor e tudo volta a ser real...¨


Los Hijos del Hambre No Tienen Mañana
Canteca de Macao

Con la mirada perdía en esos ojos de cuenca vacía
Se me notan las costillas, debo vivir el día a día.

Y tú preocupao por cómo adelgazar,
Pensando todo el día en esos kilitos de más.
Siéntate un ratito y ponte a pensar
En cómo viven y mueren los demás.

Pa' poder vivir debo arriesgarme a morir,
Aún me queda la esperanza de poder seguir aquí.
Navegan mis ilusiones en un frío mar añil,
Escapar de la pobreza, ¡por fin, por fin, por fin!

Y si merece la pena hay cruzar en una patera
Que va a naufragar antes de llegar a gibraltar.

Me asusta la pobreza, vete de aquí.
Nos quitas el trabajo y nos traes de fumar,
Educamos a tus hijos pa que roben el pan,
El día de mañana nos vas a gobernar.

Y apaga el televisor y todo vuelve a ser real,
Las cosas que has visto se te van a olvidar:
Guerras, hambre y precariedad...
¡calla tu conciencia y déjate llevar!...

Entonces se apagan todas las luces del barrio
Y la gente duerme y no piensa
En los que pierden su vida a diario.

Con la mirada perdía en esos ojos de cuencas vacías,
Se me notan las costillas, debo vivir el día a día.