Não
há nada que diferencie tanto a sociedade Ocidental de nossos dias das
sociedades mais antigas da Europa e do Oriente do que o conceito de tempo.
Tanto para os antigos gregos e chineses quanto para os nômades árabes ou para o
peão mexicano de hoje, o tempo é representado pelos processos cíclicos da
natureza, pela sucessão dos dias e das noites, pela passagem das estações. Os nômades e os fazendeiros costumavam medir – e ainda o fazem hoje – seu dia do amanhecer até o crepúsculo e os anos em termos de plantar e de colher, das
folhas que caem e do gelo derretendo nos lagos e rios.
O homem do campo
trabalhava em harmonia com os elementos, como um artesão, durante tanto tempo
quanto julgasse necessário. O tempo era visto como um processo natural de
mudanças e os homens não se preocupavam em medi-lo com exatidão. Por essa
razão, civilizações que eram altamente desenvolvidas sob outros aspectos
dispunham de meios bastante primitivos para medir o tempo: a ampulheta cheia
que escorria, o relógio de sol inútil num dia sombrio, a vela ou a lâmpada onde
o resto de óleo ou cera que permanecia sem queimar indicava as horas. Todos
esses dispositivos forneciam medidas aproximadas de tempo e tornavam-se muitas
vezes falhos pelas condições do clima ou pela inabilidade daqueles que os
manipulavam. Em nenhum lugar do mundo antigo ou da Idade Média havia mais do
que uma pequeníssima minoria de homens que se preocupassem realmente em medir o
tempo em termos de exatidão matemática.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4_nrKtDbmUEzxa5tn5m-nZjmgxY0I7jqVgvTKrHmThO4DJQKIiqj2ZQGlNN2Zt3RUFKdIvIv35GSGzY7SY3yeMwGlKeM1WELCz8Ok8nCPfWdOXkVUFFenWd0PXknYp59jKtLSZKTMn1c/s200/tempo+rel%25C3%25B3gio+17.gif)
O relógio ofereceu os meios através do qual o tempo – algo tão indefinível que nenhuma filosofia conseguira ainda determinar sua natureza – passou a ser medido concretamente em termos mais palpáveis de espaço, dado pela circunstância do mostrador do relógio. O tempo, como duração, perdeu sua importância e os homens começaram a falar em extensões de tempo como se estivessem falando em metros de algodão. Assim o tempo, agora representado por símbolos matemáticos, passou a ser visto como uma mercadoria que podia ser comprada e vendida como qualquer outra mercadoria...
Agora são os movimentos do relógio que vão determinar o ritmo
da vida do ser humano - os homens se tornaram escravos de uma ideia de tempo
que eles mesmos criaram e são dominados por esse temor tal como aconteceu com
Frankenstein. Numa sociedade livre e saudável, essa dominação do homem por
máquinas por ele mesmo construídas chega a ser ridícula, mais ridícula até do
que o domínio do homem pelo homem. A contagem do tempo deveria ser relegada à
sua verdadeira função, como uma forma
de referência e um meio para coordenar as atividades do ser humano, que voltaria a
ter uma visão mais equilibrada da vida, já não mais dominada pelos regulamentos
impostos pelo tempo e pela adoração ao relógio. A liberdade completa implica a
libertação da ditadura das abstrações,
tanto quanto a libertação do comando dos homens.
*grifos nossos
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYdqEB17LFbemgzbF76Awz6JaGDu6XQWJxGnVf00v95pZTonGc-MnIqjbY3BrxQDc3hnBHW4KnBRDD0oSLgsvfR5PSLA855zB_uIt_KNar-e3CTKVcNEPvr1oXTUy9MI85GuLCMc244sA/s320/tempo+rel%25C3%25B3gio+4.gif)
quando a vivência não será
o tempo se desfaz
no tempo que se liberta
pela ausência do temporalizador.
Tudo faz para adiar esse encontro.
*grifos nossos
George Woodcock em A Ditadura do Relógio
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George Woodcock (1912/1995)*O Tempo |
Tempo de Tempo e não Tempo
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Deus Cronos |
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYdqEB17LFbemgzbF76Awz6JaGDu6XQWJxGnVf00v95pZTonGc-MnIqjbY3BrxQDc3hnBHW4KnBRDD0oSLgsvfR5PSLA855zB_uIt_KNar-e3CTKVcNEPvr1oXTUy9MI85GuLCMc244sA/s320/tempo+rel%25C3%25B3gio+4.gif)
Tempo é tempo vivido
não há tempo passado
quando a vivência não era
tempo tempo futuro
quando a vivência não será
dizer que não há tempo
é tão absurdo
quanto dizer que ele há
quanto dizer que ele há
no tempo que se liberta
pela ausência do temporalizador.
...de um certo Anônimo
*
O Eterno
A Morte e o Amor
Só a morte põe fim seguro
Às dores e aflições da vida.
A vida, porém, temerosa,
Tudo faz para adiar esse encontro.
É que a vida vê da morte
Apenas a mão sombria
E fecha os olhos à luzente taça
Que a mesma morte lhe oferece.
Assim também foge do amor
O coração apaixonado,
Receoso de um dia morrer
Da mesma paixão por que vive.
Lá onde nasce o verdadeiro amor
Morre o “eu”, esse tenebroso déspota.
Tu o deixas expirar no negror da noite
E livre respiras à luz da manhã.
Poesia: A Morte e o Amor de Rumi
![]() | |
Jalal ad-Din Muhammad RUMI |
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